Wednesday, November 05, 2008

A vida lá é um inferno

Matisse. O atirador de Facas. 1947.

Salvador-Ba. novembro de 2008. 7:45 da manhã, paro no semáforo em frente ao Centro de Compras mais conhecido da cidade, um rapaz, entre 23-28 anos, sinaliza se quero limpar a poeira do pará-brisa do carro, digo que não, eu sempre digo que não, falo que estou sem trocado, faço um sinal que estou procurando no cofrinho do carro, e sigo. Às vezes da certo, outras não. Desta vez, deu certo, ele não limpou o pará-brisa e eu fiquei tranqüilo sem obrigação de pagar por este suposto serviço. Logo depois, um rapaz para ao lado da janela, "me presta cinco reais aí...", o tom simpático dele me ocasionou uma resposta simpática, "hoje estou sem dinheiro, amanhã te empresto sem juros". Minha irmã riu e comentou, "tenho pena", são tantas as necessidades. E assim, foi o dia entre uma sinaleira e outra, tentanto me esquivar do pagamento destes serviços. Um outro modo, foi o rapaz vestido de palhaço, se dizendo participar de um projeto de visitas hospitalares à criança, solicitando apoio ao projeto, aparentemente, pessoal. Este palhaço não me fez rir, me pareceu uma forma assim como outra de pedir dinheiro sem se humilhar.
E finalmente, um modo diferente de pedir dinheiro, parei o carro no campus da UFBA, no Canela, ao retornar ao carro, um rapaz fez um sinal para mim, continuei a andar em direção ao carro, pensei que fosse mais um guardador. Ele se aproxima, me conta que saiu do presídio, está com fome, e precisa de algum dinheiro para comer. Perguntei que presídio ele saiu, "...mata escuta...a minha é rôbar...mas agora eu quero pedir", falei "é...eu já trabalhei no presídio de Serrinha..." não sei bem o que queria, certamente tentar me aproximar através de realidade comum, ou tentar intimidá-lo me mostrando conhecer o sistema. Paramos em frente ao carro, pedi licença, entrei, "deixa eu ver se tenho um trocado aqui..", enquanto procurava ele perguntou, "...você era o quê, agente de segurança?". A sua aparência, a sua lingaugem, e aquele olhar sem profundindade revelava que ele realmente passou pela penintenciária. Preferir não responder, e falei - "aquilo lá é um inferno, se você continuar roubando, você vai voltar pra lá" - com a janela semi-aberta, abri a carteira e falei, "tenho não, só tenho cinquento centavos" "...pô veio, aí não dá para eu comer...me arranja estes r$10,00 aí...estou com fome" falou já com tom indignado, poderia estar falando a verdade, já era 12:00 horas. Um silêncio, e de repente foi quebrado com a fala dele "estou com uma faca aqui". Falei para ele - "presídio é um inferno...eu vou te arranjar r$10,00, mas se você me arranjar sua faca", assim como foi todo o dia, acabou de se constituir uma suposta compra. Ele me vendeu a faca, e antes de sair me falou "...me arranja aqueles cinquenta centavos para comprar o cigarro", eu já tinha esquecido desta moeda, mas ele não. Eu dei e falei, "não roube não, a vida lá no presídio é um inferno...". Ele me agradeceu, sair com o carro e olhei pelo retrovisor, ele olhou para os R$10,00, olhou para o carro e eufórico, dando pequenos saltos, falou "...a vida lá é um inferno".