Hoje eu acordei e não tinha certeza:
- Meu coração está batendo!? Perguntei.
Na dúvida, corri, marquei com meu cardiologista. Auscultou e deu o
diagnóstico:
_Pronto, Victor. Tudo mais ou menos Bem! Seu coraçã...não sei...ouço
algo estranho! Mas...na dúvida vamos fazer um eletrocardiograma, é o protocolo!
_ Opâ, doutor, se é para me ajudar, né!
Fios, gel geladinho no ar-condicionado. Pronto!
_ Algo errado, não vejo sinais do seu coração, volte amanhã que vamos
fazer com uma ressonância, seu coração deve estar em algum lugar!
Sorriu, passou a conta e algumas vitaminas B e ácido fólico. Falou que
era para tomar sempre depois do almoço.
_ Inferno! Pensei comigo, retrucando:
_ Eu sem coração e ele me passa vitaminas.
Voltei para casa, coloquei minha mão, e ainda tinha dúvida. Coisas da
minha cabeça, marquei um psicanalista. E ele confirmou:
_Algo lhe falta!
_Meu deus! É pior do que imaginava, alguém roubou meu coração!?
Liguei para Clô:
_ Oi!? Falou do outro lado da linha indiferente a minha falta.
_ Clô, sou eu...estou sem coração. Roubaram!
_ Como assim?
_ Não sei, Clô..acho que foi numa saidinha bancária.
_Corra e vá na delegacia do Rio Vermelho! Te encontro lá.
Ansiosa sua voz me dava novas esperanças. Chegando lá, depois de passar
2 horas no engarrafamento entre o Bom Preço e a Mercado do Peixe:
_Queria prestar uma queixa...
_ Pega a fila, está achando que isso aqui “fast food”.
Bem, não tinha fila. O servidor saiu e retornou meia hora depois.
_Seguinte, o delegado não vem hoje. Qual o seu problema?
Falou o servidor com olho de peixe morto, sem o menor interesse em ouvir
mais este problema.
_Roubaram o meu coração! Acho que foi numa saidinha bancária.
_ Caso grave, o meu também...eu que sou polícia não achei...
Sorriu levemente, mexendo os lábios sem mostrar os dentes. E continuou:
_ Caso perdido, companheiro. Se quiser...se quiser mesmo... preencha
estas fichas, e entraremos em contato...CAAASO ache, mas acho difícil, problema
recorrente, te ligamos.
Saindo, outro policial, de canto, bateu no meu ombro e disse:
_amigo, esqueça isso vem ocorrendo com freqüência. O último coração que
achamos aquele policial usou.
Encontro-me com Clô na porta. Me abraça, torce o canto esquerdo da boca.
Sentamos no banco de pedra em frente ao Mercado do Peixe, olhando o mar que
quebra na praia, as ondas, o vento. Não, a poesia era outra. Um carro com o
porta mala aberto dava o fundo musical.
“Esse é
o novo hit,a cara do meu verão
Todo mundo na muvuca vem curtir o swingão
O bebê aporrinhado
A mamãe tá danada
Ja ninou essa criança
Agora so quer chorar
E a morena e a lorinha e a gostosa,todas elas vao chupar
Todo mundo na muvuca vem curtir o swingão
O bebê aporrinhado
A mamãe tá danada
Ja ninou essa criança
Agora so quer chorar
E a morena e a lorinha e a gostosa,todas elas vao chupar
Toma negona,toma chupeta
Toma negona,na boca e na buchecha”
Toma negona,na boca e na buchecha”
_ Clô, meu cora...
Antes de eu falar, percebi que estava triste. Esqueci o que não tinha, por um segundo, e perguntei o que foi:
_ O trabalho, hoje estávamos discutindo a política de humanização e
saúde mental, o elevador caiu no poço.
_ Como assim, isso é uma metáfora!
_ Não, caiu, e ficou balançando com 5 pessoas. Fomos reclamar, e eles
falaram que estavam criando situação para não bater o ponto.
Não conseguia, mas falar sobre isso. Aos poucos, desejava que minha voz
sumisse.
_ Vamos nos levar para casa.
Saímos junto, andando pela orla. Abraçados. Mãos dadas. Sem falar nada. E
nada ainda era muito. E vi que algo ainda batia dentro de mim. Aos poucos
percebia que o meu coração estava lá o tempo todo, apenas em silêncio se
guardando para se dá por inteiro o que está por chegar em nossas vidas.