Sunday, August 12, 2007

Sobre Rousseau...livre pensamento e resumo

1. A Dor Moral
A criança nesta fase é a que se comunica através da fala. Apresenta, assim, no início algumas considerações sobre o termo infância, e justifica seu uso posterior, respeitando a convenção da sociedade. Rousseau apresenta a importância da linguagem como contenção das expressões mais naturais, como o grito e o choro. Um importante aspecto pôde ser deduzido desta relação entra linguagem verbal e não-verbal. A fala como uma substituta da expressão motora, transição que Rousseau reconhece como progresso natural, se assim não proceder, é por deficiência da relação entre o cuidador e a criança. A transição da linguagem corporal a verbal se faz necessária, pois evitará mimos provenientes de um convívio social. “Se a criança for delicada, sensível, e naturalmente se puser a gritar por nada, dando gritos inúteis e sem conseqüência, logo secarei essa fonte” (Livro II, p.69). O que Rousseau coloca em questão é o choro como instrumento de socialização ou comunicação, no primeiro momento, mas já com o recurso da fala, o choro passa a ser vícios sociais, deixando de ser uma expressão natural de dor ou necessidade.
A expressão de dor de uma criança é percebida menos pelas condições físicas ou o machucado “do que o medo que atormenta quando nos ferimos” (II, p.70). Rousseau não pretende fazer um tratado médico sobre o conceito de dor, mas sim, justificá-la como instrumento de aprendizado para o indivíduo transitar para uma vida social. A criança suportando as dores leves, que são a do corpo, aprendera a suporta as grandes, que são as da alma. E assim estabelece o primeiro ensinamento “sofrer é a primeira coisa que ele deverá aprender, e a que ele terá maior necessidade de saber” (II, p.70). Vivemos numa sociedade que ser feliz, ter sucesso e ser o melhor são nossos primeiros ensinamentos, e esquecem que para alcançar todos estes, precisamos aprender a sofrer. Dito de forma mais sutil, ampliar nossos limites de frustração. A lógica de Rousseau está ancorada que quanto menos sofrimento mais próximo da felicidade, mas para menos sofrer precisamos ter tolerância diante das dificuldades ou dores da vida. Como exemplo, Rousseau trata que as quedas de uma criança, não ameaça sua existência; além do mais, os machucados são compensados pelo bem-estar da liberdade.
O que está em pauta, neste momento, para a constituição do sujeito é o saber sofrer, ser menos sensível, ou apenas aprender a sentir a força que a necessidade impõe, nem mais, nem menos. E assim se aprende não com regras, mas vivendo. A primeira das lições é aprendida sem constrangimentos, sem restrições, sem consciência, só com aquilo que a natureza lhe imputa, as leves dores do corpo. Sem constrangimentos e sem consciência, pois para a criança o que está em pauta é o prazer de viver1. A liberdade é sentida como o livre gozo.
2. Felicidade e Liberdade: o menor sofrimento e a menor dependência.
Rousseau critica as pedagogias, e este é um importante ponto de reflexão, “que sacrifica o presente para o futuro incerto” (II, p.72). Há referências que a taxa de imortalidade infantil era alta na época, o que leva a crer que se referia a este aspecto. Como também, pode ser analisada sobre um aspecto existencial, uma importante crítica que forma o homem para o futuro sacrificando seu presente. A sensação é de um vazio, de um homem que não está aqui e nunca chegará. “...sempre considera o presente como nada e, perseguindo sem tréguas um futuro que foge à medida que avançamos, de tanto nos levar para onde não estamos, leva-nos para onde não estaremos nunca” (II,p.73). E arremata a idéia colocando que os adultos estão preocupados em ajustar as más inclinações de uma criança, sem se procurar saber se as más inclinações não provêm de seus ensinamentos e não do desenvolvimento natural; sobretudo não confundir liberdade com licença e criança mimada com felicidade.
O conceito de felicidade de Rousseau é extremamente importante, pois é a sua compreensão que liga o primeiro ensinamento da criança ao homem e ao cidadão. É uma felicidade negativa. “O mais feliz é o que sente menos sofrimento; o mais miserável é que sente menos prazeres” (II, p.74). Aqui, relaciona-se o conceito de dor ou de felicidade, a criança ao adulto. Enquanto criança, ensina-se a suportar às pequenas dores; enquanto adulto equilibrar nossos desejos, que supõe penosas privações, às nossas faculdades. Não cabe ao homem diminuir os desejos ou ampliar as faculdades, mas “diminuir o excesso de desejo relativamente às faculdades” (II, p.74). O homem para deixar sua alma tranqüila deve equilibrar o poder e o desejo. Este é o caminho da felicidade, muito próximo das considerações que Silva destacou “...uma certeza interior que possa imediatamente assegurar a conduta cotidiana e garantir, apesar da incompreensão e das perseguições, o homem de paz e de serenidade que ele sempre aspirou” (Silva, p.155). O homem civil que estabelece o contrato precisa saber perder e aceitar os limites do mundo real e do outro, para que possa agir em interesse comum. Dirá Rousseau, não podemos ampliar o mundo real, reduzamos o mundo imaginário. Entendam por isso, se não podemos mudar o mundo, mudemos a nós próprio. Há uma relação entre as coisas real – exterior-, e um “eu” – interior-. Reis (2005, p.141) explora este assunto e nos esclarece:
“A metáfora espacial presta-se a muitos usos, a analogia pode desdobrar-se em várias outras. Uma delas é a de exploração: o indivíduo representado como um “eu”, ocupando-se de si mesmo, explora seu espaço interior, à maneira de um excursionista. Mas o imaginário do espaço também abriga as imagens de ocultação, de obstáculo: não é raro que o indivíduo, em suas excursões pelo espaço interior, depare-se com abismos, profundezas, barreiras intransponíveis”.
Rousseau, filósofo estrangeiro, revela sobre seus pares e sobre si: “ Aí estão, estrangeiros, desconhecidos, nulos em definitivo para mim, porque assim eles o querem. Mas eu, separado deles e de tudo, Quem sou? Isto é o que me falta descobrir” (Premiére promenade, 2006c p.1). É como existisse um ser além da vida moral, e revela logo adiante “O hábito de entrar em mim próprio, me fez perder o sentimento e quase a lembrança do mal, aprendi ainda pela minha própria experiência que a fonte da felicidade está em nós” (Seconde promenade, 2006c p.5).
Lévi-Strauss abordou este “quem sou?” como um “Eu” epistemológico no qual Rousseau expressa que existe um outro de que se pensa em mim, e que me faz duvidar em primeiro lugar de que sou eu o que pensa. Esta tarefa só é possível, pois a resposta a esta pergunta não seria tão somente do cogito cartesiano, mas do ser que se sente. Assim expresso no Emílio: “Para nós, existir é sentir; nossa sensibilidade é incontestavelmente anterior à nossa inteligência, e tivemos sentimentos antes de ter idéias” (Emílio, p.410). Rousseau se desfaz de um “eu” tão certo de si, e o considera objeto estranho, não familiar, passível, como qualquer outro objeto, de pesquisa2.
A sociedade enfraquece o homem por retirá-lo o direito sobre sua força. E ser forte é viver e se contentar com o que se é, diz Rousseau (Emílio, p.81). A sociedade torna o homem fraco porque o faz se sentir maior que a humanidade. O homem forte é o homem livre, e a liberdade é limitada pela força da natureza, “o homem verdadeiramente livre só quer o que pode e faz o que lhe agrada” (II, p.81). Ou seja, no momento que ele precisa de outro, seja da opinião ou do braço, não se bastando por si próprio, será um homem fraco, escravo e infeliz, pois não estará em equilíbrio: potência e necessidade. Sendo a liberdade o primeiro de todos os bens. Se a criança é fraca em comparação ao homem não é pela força física ou absoluta, mas pelo seu estado de dependência, mas esta é compensada ou suprida pela afetividade entre os pais e as crianças.
Entretanto, este laço tem suas desvantagens, pais que vivem no estado civil levam-no à criança antes da idade (II, p.81), o que seria um abuso ou excesso. Rousseau entende que “ninguém tem o direito, nem mesmo o pai, de ordenar à criança o que não lhe serve para nada” (II, p.82). Rousseau nos traz uma questão importante, o direito dos pais sobre as crianças no exercício do que lhe seja útil. E entende que antes que as instituições humanas alterem as inclinações naturais, a “felicidade da criança e dos homens consiste no uso de sua liberdade” (II, p.82). Ser feliz, agora, é ser livre. A criança terá uma liberdade imperfeita, pois vive numa condição de fraqueza ou dependência, assim como o homem no estado civil. Assim, compreende-se que o júbilo pela liberdade infantil é para compensar seu estado de fraqueza, submetidas a pequenas dores. Conclui Rousseau “Éramos feitos para sermos homens, as leis e a sociedade voltaram a mergulhar-nos na infância” (II,p.82). A falta moral é proveniente do estado de dependência entre os homens. A forma de remediar este mal será substituir o homem pela lei, e a vontade do rei, pela vontade particular.
As leis surgem como instrumento de liberdade, é a dependência das coisas. Rousseau distinguiu dois tipos de dependências “a das coisas, que é da natureza, e a dos homens, que é da sociedade” (Emílio, p.82). A dependência se estabelece entre os homens, e não entre as coisas, pois estas não tem nenhuma moralidade. O que leva a crer, que a lei civil para o homem tem o mesmo valor imperativo da lei natural para criança. Exercitar e sensibilizar a criança na lei da natureza, estará preparando o homem para a lei civil. As leis da natureza estabelecem contato direto com o corpo, o que faz Rousseau compreender que o “homem que não conhecesse a dor não conheceria nem a ternura da humanidade, nem a doçura da comiseração” (II, p.86). Ou seja, a criança que tem todos os seus desejos satisfeitos, sem conhecer o limite da sua força e das dores, tornar-se-á tirânica, e tudo queira ao seu bel prazer e arrogância.
Contudo, não é caminho da razão que deve dirigi a criança. Educar uma criança pela razão é começar pelo fim. Se as crianças ouvissem a razão, não precisariam ser educadas, educá-la pela palavra é corrompê-la prematuramente. Dar ao homem o lugar de homem, e a criança o de criança. Rousseau tem uma preocupação de não fazer uso inadequado da razão, e empregá-la num momento inoportuno, principalmente para corrigir os erros da criança. “Fazei melhor do que isso: sede razoável e não raciocineis com vosso aluno” (Emílio, p.97).
As idéias das crianças deveriam se deter nas sensações. Rousseau conserva a razão para o momento adequado na vida humana, ou a maturidade racional que vem com o tempo. E estabelece o conceito de infância que perdura até os dias atuais, “a infância tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhe são próprias” (II, p.91). A filósofo genebrino fez perceber que a infância é sempre, não foi algo, e não é mais. O primeiro momento da educação é negativa, ou evitar os vícios da instituição. E o primeiro exercício da educação é do corpo, dos órgãos, dos sentidos e da força (II, p.97). Pode-ser perceber que o conceito de felicidade em Rousseau passa por muitas definições, ao de prazer, quando trata da educação dos jovens da República, ao da menor dor e ao de liberdade. Estes múltiplos aspectos não condizem uma contradição, mas estão inter-relacionados, preparando o homem para a sua condição inexorável, ser o que é com a sensibilidade dos sentimentos e o bom uso da razão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LÉVI-STRAUSS, Claude. Jean-Jacques Rousseau, fundador de lãs ciências Del hombre. In: Sazbón, José (org.). Presencia de Rousseau. Colección Teoria e investigación en las ciencias del hombre. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1972.
REIS, Cláudio e Araujo. Unidade e liberdade: o indivíduo segundo Jean-Jacques Rousseau. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Finatec, 2005.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. Tradução: Roberto Leal Ferreira. – 3º Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Paidéia).
___________________. Les Rêveries du Promeneur Solitaire. Fonte Gallica, Bibliothéque Numérique de la Bibliothéque Nationale de France.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=7295. Acessado em Junho. 2006
SILVA, Genildo Ferreira da. Rousseau e o Fundamento da Moral: entre a razão e religião. São Paulo, Campinas: Unicamp, 2004. (Tese de Doutorado)

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