Sunday, June 25, 2006

Afeto aquilo que nos afeta

Dedico este texto a Edson Calmon e Jonar Brasileiro

Uma idéia começa com uma linha...

Passei horas pensando na proposta temática que me emaranhei...ficava como um gato a brincar com a ponta da linha do novelo, quando mais eu puxava mais embolado ficava...

Como poderia tratar do “afeto como proposta terapêutica!” ou o “afeto catalisador”...que difícil proposta eu me propus. Pensei: “começo a abordar pelo conceito de transferência”...não! Definitivamente o termo não trazia calor. Imaginei por alguns instantes que na faculdade não nos ensinam sermos afetuosos, e a afirmação, voltou como pergunta: “afeto como proposta terapêutica?”. Não me lembro desta aula...a manifestação do afeto era o calcanhar de Aquiles do psicólogo, alguns professores até concordavam que isso poderia se manifestar numa relação terapêutica, diziam eles: “tudo bem, somos humanos, podemos mostrar nossos pontos fracos”; ou então, “quando a psicologia não pode ajudar, seja acolhedor”. Não, não é isso, que vejo em Nise da Silveira, o afeto não surge diante dos limites da psicologia. Ela propõe o afeto como proposta da psicologia. O que precisa ser dito? Nada, o afeto se sente, se expressa no olhar, no toque, no silêncio, na mínima expressão para o máximo de efeito. Antes de o homem aprender a pensar e a olhar; sentia, olhava e tocava.
Um dia estava desenvolvendo um trabalho no grupo escolar, e de repente uma das senhoras que participava do grupo de discussão, me chamou de “bichicólogo”, obviamente estranhei a expressão, mas ela tinha construindo um novo sentido para o psicólogo, e falou que era uma junção de “bichano” e psicólogo. Era assim que ela tratava o filho dela, todos os outros membros do grupo, riam e concordavam. Eu era uma espécie de psicólogo gato, não pela beleza, modesta parte, mas porque se constituiu afeto na relação, confiança; mas também, muitas vezes, fui colérico. Poderia ser dócil e amável, mas poderia assumir meu aspecto feroz, como diz Nise sobre o simbolismo do gato.
Em nenhum momento, isso foi explicado para o grupo, mas elas sempre me dirigiam desta forma, “bichicólogo”, eu despertava nelas um animal interno, como diz Nise, “a psicologia terá de dar muito atenção ao animal no mundo interno do homem, animal que faz parte intrínseca de sua evolução tanto biológica como psicológica, e do qual a função configuradora de símbolos do inconsciente se utiliza para exprimir forças muito profundas” (O mundo das Imagens, p.113). Mas como isso se relaciona ao afeto catalisador? O animal, dito irracional, estabelece vínculos de confiança com as pessoas para que elas possam se sentir mais seguras nos seus processos de aprendizagem, solidão ou escuridão da alma. Nise chama os animais de co-terapeutas, a primeira vez que li isso, achei uma ofensa, como eu posso passar cinco anos para ser um terapeuta, e um animal só por ser animal é um co-terapeuta. Mas depois entendi que deveríamos aprender observando a natureza, não apenas a natureza do mundo externo, mas a nossa natureza interior.
Primeiro amamos a nós próprios, depois amamos os outros e a quem nos ama, a minha felicidade será constituída junto com a felicidade do outro. Se estiver difícil de atravessar a ponte, pegue na mão da pessoa, ensine a ela a olhar nos olhos para que não olhe para baixo, e se algum momento ela tiver medo de cair, diga que vocês estão juntos. Precisamos constituir vínculos que diminuam nossa ansiedade e angústia de estar no mundo, e que a vida seja uma eterna aprendizagem ao lado do outro e ao outro lado.

No comments: