Sunday, June 25, 2006

"Relatos de uma guerra que não acabou"

No dia 04 de abril de 2003, vinte dispostos jovens se encontraram protegidos dos mísseis americanos e da temida guarda Republicana do Iraque, o local “secreto” do encontro ocorreu em um dos túneis refrigerados da Faculdade Ruy Barbosa (sala 002), com a missão de refletir, desabafar, chorar pelo pior dos seus inimigos: a angústia.. A proposta temática era “Guerra no Iraque”, mas a guerra interior era o que estava mais subjacente naquele discurso que apontava o outro como devastador e ignóbil.
Foi esclarecido, inicialmente, por um dos jovens, que algo nos movia para estarmos por livre expressão da vontade, dedicando uma tarde de sexta-feira a pensar sobre questões aparentemente tão distante de nós. Este jovem de corpo esguio e cabelos encanecidos apontou para os ígneos “bombardeios” que nos atingem: a informação. Assim como o Iraque mostra-se indefeso diante da tecnologia bélica americana, nós também nos mostramos indefesos diante da tecnologia da informação americana. O canal americano de notícias (CNN) cobre a guerra durante vinte quatro horas, fornecem as imagens, o modelo jornalístico e o modo de pensar americano. A nossa razão, o nosso “antimíssil” dos bombardeios da mídia, se encontra obsoleta, não há mais defesas das subjetividades.
As imagens da guerra são tão reais quanto um filme de ação, e os filmes de ação são tão fictícios quanto a imagem da guerra. A banalização da imagem, da informação, da vida humana não permite reflexões críticas, e assistimos as atrocidades com um saco de pipoca e Coca-cola esperando que um “homem-bomba” exploda alguns soldados americanos, ou o avanço da Colisão, progressivo e veloz a Bagdá, devolva a paz e a democracia ao Iraque: “a 50 Km de Bagdá...a 30 km de Bagdá...Chegaram ao aeroporto”, respiramos aliviado, que bom! (este texto pode estar desatualizado, eles podem já estar em Bagdá). Todas as idéias contemporâneas maniqueista são simbolizadas por duas figuras: Bush e Hussein. Deus e o diabo que mandam seus anjos, com ou sem tecnologia, para matar ou para morrer, oferecendo prêmios ou condecorações que vão pendurar na porta do céu ou do inferno.
O jovem ancião diante deste quadro lançou as perguntas: “que consistência há para estas duas pessoas agirem?” Se temos uma quantidade imensa de pessoas a favor da guerra, e de pessoas que se propõe a exterminar ou serem exterminadas, há algo que impulsionem estas pessoas?” Um longo e esperado silêncio tomou a sala, o máximo que eu conseguia ouvir era as respirações ofegantes, os olhares distantes estavam focando o interior, as cabeças baixas. Até que...até que a resposta ficou suspensa no ar, e surgiu o primeiro desabafo. Um sentimento de impotência, culpa, responsabilidade por esta e outras guerras cotidianas que nos circundam, todos tem dentro de si uma perversão e uma capacidade incrível de justificar os seus atos. Vergonha da guerra, vergonha da sociedade, vergonha do motivos da guerra, mas não há o desejo de abrir mão da estabilidade e dos prazeres para resolver problemas do mundo, o máximo da ação é reunir numa sexta-feira à tarde, desabafar e voltar para a casa em paz, estas foram as falas do primeiro desabafo, e o estopim para que surgissem outros.
Talvez ela não percebesse, mas se reunir numa sexta-feira à tarde já era um grande passo: “Com angústia e liberdade se forma a aventura humana (...) no neurótico desaparece a liberdade e resta só angústia” (López Ibor, citado por Saback)[1]. Como já foi dito nós estávamos reunidos por uma “livre expressão”, aquilo que poderia transformar-se num sintoma somático, transformou-se numa ação, a angustia associada à liberdade permitiu que ela se movimenta-se para sala, para a cadeira, para o verbo. E, assim, desencadeou momentos sublimes de expressão. Cada fala repetida, acrescentada, renovada, era um momento único da ação, o discurso em si próprio se afirmava. Naquele momento pudemos ficar distantes da vigília institucional do discurso, e livre dos sentidos que ele poderia trazer e nos comprometer, ficou estabelecida uma cumplicidade tácita, nos dando a plena liberdade de expressar as nossas emoções, revoltas e reflexões; o discurso lógico, foi aos poucos ficando distante da “sacana da razão”. A lógica era um vício do discurso, que se misturou com as lágrimas de um dos participantes, ao denunciar as contradições entre a ação e os ensinamentos acadêmicos. Esta contradição, que não poderia faltar o termo do final do século XX, é “globalizada”.
E quando retomamos a pergunta inicial, qual é a consistência que permite a ação dos centros de poderes? Chegamos a conclusão que é a decisão e a escolha de cada um retorcida e disfarçada na forma de cultura, que importamos não só a tecnologia, mas a linguagem, a comida, a roupa, o cinema etc... nos tornando consumidores compulsivos das american drugs, que justificam um sistema para sustentar os nossos vícios, e que antes de qualquer impulso para percepção do outro, colocamos na frente da “humanitária” razão, os nossos “prazeres”. Surgem outras questões estamos livres da guerra, do espírito belicoso, do sentimento de destruição, do desejo perverso de defender os meus prazeres? Este texto é apenas uma multiplicidade, no melhor estilo foucaultinao, da efemeridade do discurso, que repercutiu, inovou, e multiplicou-se em cada participante daquela sala, tornando-se eterno.
[1] SABACK, Eduardo. Angústia e Contemporaneidade. In: Revista Estudos Acadêmicos. Maio 2002 – Ano 4 – n.º 01.

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