Sunday, June 25, 2006

Carnaval 2005 - I

Estou a três dias tentando me animar por carnaval e não consigo. Quarta-feira fui pela manhã para Festa de Yemanjá _ “Yemanjá, rainha do mar, minha sereia, me proteja de todo mal...Yemanjá, rainha do mar, minha sereia me proteja do carnaval”_. Bem! O final do canto não é bem este, mas poderia ser. O sol a pino na cabeça de 32º graus, passei à tarde de quarta com o corpo mole e dor de cabeça. Fiquei imaginando por que não estou me divertindo junto com quase dois milhões de turistas, pessoas que estão na folia, na alegria, soltado suas energias reservadas, soltado suas repressões, tristezas e alegrias de 2004. Talvez, apenas talvez, eu não estivesse suficientemente reprimido. Eu preciso ser mais contido, me reprimir mais, falar menos, ser menos crítico, engolir mais sapos, não dar respostas à toa, eu preciso desta repressão para pular no carnaval ou pular o carnaval. Ou, ter mais alegrias, mas motivos para comemorações, será que é isso?
Resolvi ficar quinta-feira em casa assistindo a programação de carnaval, era uma tática de me sentir reprimido, em alguma hora surgiria aquela vontade de ir à rua. Os foliões na quinta-feira até que estavam bem alegres. Na sexta-feira me deu até uma pontinha de vontade, mas achei que não era suficiente, era necessário mais repressão. Fiquei de novo assistindo a programação, os foliões ainda estavam muito alegres, achei que era reprise, pareciam às mesmas pessoas, os repórteres diziam as mesmas coisas. Não era reprise, era sexta-feira, dia do Expresso 2222, tinha certeza que quando eu ouvisse o Trio iria ficar enlouquecido, mas não foi o que eu esperava. Um ministro roco, uma filha de ministro sem voz, um trio muito alto, uma banda desafinada. Eu ficava passeando entre a TV Bahia e a Bandeirantes. Astrid esbanjando ignorância da cultura baiana, e convidou Carla Perez para comentar. Umas reportagens ao vivo sem sincronia, repetindo o tempo todo a chamada do canal, falando frases criativas como diga aiai, folia, alegria, energia, enguia...
Todos os repórteres com a cara de exausto, suados, rocos, vazios, faziam entrevistas com os artistas que diziam absolutamente nada, diante de perguntas que duvidam de nada. Kátia Guzo perguntou a Rogério Flausino (para quem não conhece aquele da banda Jota Quest): _Você sabia que estamos comemorando 20 anos de música axé no carvanal!?. Ele respondeu: _ é! Existe (sic) muitas controvérsias, mas o mundo é feito de contradições, e o povo da Bahia é muito bonito. Ele aprendeu rápido esta energia barroca da Bahia. Pra finalizar o dia, ouvir o Guig Gueto rodando o gado, digo, os foliões para frente do trio com uma música: “todo mundo para frente, todo mundo para frente, todo mundo para frente, eu pedi todo mundo para frente”. E as pessoas iam se deslocando para frente do trio, saltitando, pulando, balançando o derrière. E quando todo mundo chegou na frente, ele cantou para todo mundo voltar para trás, vá entender alegria baiana. A única coisa compreensível é as pessoas ficarem bêbadas no carnaval. Eu fiquei muito reprimido, mas foi para ficar em casa.
A TV educativa seria minha salvação? A TVE estava realizando um memorial do carnaval desde o início do século XX. Estavam apresentando na sexta-feira um antropólogo, Antônio Godi; um historiador, Jaime Sodré; a Diretora do Projeto Pelourinho Dia e Noite (que estava programado para acabar), Tânia de quê mesmo? E um produtor cultural do pelourinho. Excluindo a representante do governo e a repórter todos eram negros, a figura do intelectual negro ficou pop depois de Milton Santos. A discussão era sobre a revitalização do carnaval no pelourinho e dos blocos afros, chegaram à conclusão que o carnaval da Bahia era enlatado para turistas, e que os blocos afros não se insurgem como na década de 70. Falta a estes representantes da auto-estima da raça negra dinheiro público que é injetado nos camarotes e trios elétricos dos Browns da vida, mas Brown é marrom, e marrom na Bahia é neguinho, deve ser o marrom mas branco da cidade. Estava ficando pior, cada vez mais reprimido para ficar em casa.
Ainda resistia no sábado, liguei a Internet, e fiquei impressionado com o esquema de segurança do carnaval, fiquei imaginando que a Polícia Militar da Bahia poderia prestar consultoria em vários eventos carnavalescos ou ocupação de países em guerra, talvez prestar auxílio à milícia USA no combate a guerrilha iraquiana. Que mau gosto, está ficando muito sério este texto. Liguei para um amigo com ares animado para sair no sábado, e a primeira coisa que perguntei foi: _ E aí como está o carnaval? Está muito violento? Ele ficou sem entender porque eu estaria ligando 10:00h da manhã para perguntar aquilo, depois confessei para ele que não estava animado para o carnaval, ele me consolou dizendo que também não, contudo me deu vontade de sair já que não está tão violento, e ver a demonstração dos pelotões militares. Diga aí, Diga aí, aiai: É só alegria?

P.S.: 147 detidos, sendo que 101 foram no Circuito Dodô. Lesão Corporal e Agressão Física/rixa 36, sendo que 21 foi no Circuito Dordô. 81 furtos, sendo que 73 foram no Circuito DorDor. Ocorreu um total de 280 sacanagens (expressão minha), sendo que 211 foram no Circuito Dódó. Fonte: Centro de Estatística e Documentação Policial (CEDEP). Eu fiquei lendo o jornal e a matemática está errada, logo em cima do quadro que eles chamam de “Balanço no primeiro dia do carnaval 2005”. A uma nota do repórter Cristóvão Rocrigues dizendo que tiveram “Mais de 100 abadás roubados”. Pelo registro da política ocorreu 11 roubos, estes dados estão estritamente ligados aos circuitos e horários do carnaval. Já que existe o Carnaval para turista ver, existe também a violência para turista ler, até que um dia passe ser a vítima fora ou dentro do Carnaval.

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